domingo, 18 de março de 2018

Decepções

Viajar é, sem dúvida, uma das experiências mais fascinantes da vida, e sempre (ou quase) vale cada dinheiro que se gasta na empreitada. Apesar disso, a decepção também pode ser uma companheira de viagem da qual poucos turistas se livram.

Cidades que povoaram nossos sonhos se transformam em lugares comuns, com deterioração urbana e congestionamentos; a praia que era linda nas fotos feitas de cima está cheia de sargaço, lixo ou vendedores ambulantes. Sempre haverá uma parte da história que os guias turísticos ou os blogueiros esquecem de mencionar.

A decepção é algo bastante  subjetivo, que depende do nosso nível de expectativa (ou fantasia) e do olhar de cada um sobre o lugar visitado.

Tivemos algumas decepções turísticas, porque somos chatos. Vamos apresentar aqui uma breve seleção das mais graves. Considerem, porém, que metade de nós é medianamente chata, enquanto a outra é muito chata, quase profissional da chatice. Lembrem, ainda, que os lugares mudam, para pior ou para melhor, por isso colocamos a data da viagem na qual se deu a decepção. Vamos lá?

Mangue Seco (1999)

Difícil de chegar, mais difícil ainda de ficar. Faltou hospedagem decente, lugar para comer uma refeição razoável e até para comprar um mero sorvete. Faltou, principalmente, motivação para encarar as deficiências de infraestrutura. Quando as atrações são especiais a gente releva um pouco a falta de conforto, mas não é o caso de Mangue Seco. Sim, tem praias, coqueiros e dunas bonitas, mas não melhores do que em outras cidades mais simpáticas.

Na época em que estivemos lá, Mangue Seco estava meio na moda por causa de uma novela que havia sido gravada em suas dunas. Mesmo assim, os serviços eram precários. Escolhemos o que nos foi indicado como "a melhor pousada de Mangue Seco" e era um horror. Feia, sujinha, quente e meio sinistra. Chuveiro não havia, apenas um cano saindo pitorescamente da parede. A diária incluía café da manhã, mas não tivemos coragem de tomar. Fomos de estômago vazio fazer o passeio já combinado anteriormente pelas dunas, vimos o coqueiro idiota onde fulano beijou fulana da novela e saímos correndo de Mangue Seco para nunca mais voltar.

Tomara que tenha melhorado!

Morro de São Paulo (1999)

É um lugar bonito, tem uma trilha morro acima onde a paisagem é magnífica e algumas boas praias. A decepção ficou por conta de um problema que parece ainda não sido solucionado, a julgar por esta matéria. Além da coleta deficiente, o mar colabora trazendo quantidades enormes de lixo que vem de Salvador e se acumula nas praias de Morro de São Paulo. Muito triste.

Tomara que melhore, um dia.

Nápoles (2013)

A metade menos chata e muito italiana de nós encantou-se com Nápoles e convenceu a metade chatíssima a dar uma chegada lá, com um argumento poderoso: conhecer Herculano e Pompeia.

E foi graças à maldade feita pelo Vesúvio às duas pujantes cidades romanas que a viagem não foi um completo desastre. Napóles, dizem, tem seus atrativos, mas não nas imediações da Piazza Garibaldi, onde nos hospedamos para facilitar o descolamento até Pompeia (é perto da estação de trem).

Bagunça, sujeira, caos urbano, trânsito ensandecido e nenhuma beleza ao alcance dos olhos, a não ser que você ache lindos aqueles prédios velhos com roupas penduradas nas janelas. Muito pitoresco, segundo a voz corrente. E por falar em voz, a proverbial alegria e espontaneidade dos italianos em Nápoles se torna numa gritaria sem fim pelas ruas, que soa quase agressiva até para descendentes de italianos moradores de São Paulo.

E para que ninguém pense que a má impressão deve-se apenas ao choque cultural, ao estranhamento provocado por um ambiente diferente do que estamos habituados, uma informação: o moço da pousada, logo que chegamos, fez uma verdadeira preleção sobre segurança, deu o telefone da polícia e o dele mesmo, para alguma eventualidade.

Eles tem lá um centro histórico, mas é bastante difícil circular pelo local, porque as lambretas acossam os pedestres até nas calçadas estreitas.

Felizmente, o maravilhoso Museu Arqueológico, onde se podem ver objetos, afrescos e mosaicos extraídos de Pompéeia, compensa os aspectos "pitorescos" da metrópole napolitana.

Dioniso e Eros
Não vai melhorar. Pode até piorar, porque o Vesúvio é um vulcão ativo e é bem capaz de entrar em erupção novamente.

Cinque Terre (2015)

Trata-se de um daqueles pontos turísticos excessivamente valorizados, mas que são melhores nas fotos do que ao vivo. Já escrevemos um post sobre neste blog, vejam lá o que achamos. Metade de nós, claro, não se decepcionou.

A paisagem é linda

Santiago (2008)

Todo mundo gosta, por que nós não gostamos? Demos azar, talvez.

Escolhemos mal o lugar de hospedagem, perto da Plaza de Armas e centro histórico. É um pedaço de cidade meio feio. Durante o dia é bem movimentado, mas à noite tudo fecha. Cometemos o erro de passear o dia inteiro e deixar para jantar perto do hotel. Não havia mais restaurantes minimamente aceitáveis abertos, e acabamos por comer um pedaço de pizza engordurada e sem gosto num boteco sinistro. Era isso ou dormir com fome, já que estávamos longe de qualquer lugar mais movimentado.

A comida chilena também nos decepcionou um pouco. Acostumados com os ótimos pratos de um barzinho chileno que frequentávamos em São Paulo, esperávamos comer muito bem em Santiago. Infelizmente, embora os pratos típicos fossem os mesmos, a qualidade da comida do nosso chileno paulista era infinitamente melhor.

A capital do Chile nos pareceu uma cidade quente, poluída e poeirenta, sem grandes atrativos. Os famosos "cerros", passeio que todo mundo recomenda, não têm  muita graça. São uns morros com jardins agradáveis, nada além disso. E ver a cidade do alto dos cerros não acrescenta muito ao passeio porque a vista de Santiago, sempre muito poluída, não é exatamente espetacular.



Mais uma vez, uma cidade é salva por seus museus. O Museu de Arte Precolombiano compensa qualquer decepção com Santiago, e ainda há mais museus importantes na cidade.

Não precisa melhorar, é uma grande cidade. Basta que os visitantes façam uma leitura diferente da que fizemos.

Punta Del Este

Passamos uns dias em Montevidéu e fizemos um passeio de um dia até Punta Del Leste, para pegar uma praia. Não esperávamos nada de especial de uma praia tão badalada, mas, mesmo assim, a decepção foi forte. A guia do passeio já foi prevenindo: Punta Del Este não é o Uruguai, é um enclave de milionários estrangeiros que não se parece em nada com outras partes do país. Chegando lá descobrimos que é pior do que isso, Punta Del Leste não parece estar em país nenhum, é simplesmente o lugar mais fake que já vimos. 

A zona residencial (por assim dizer) do balneário é constituída por uma série de mansões e construções semelhantes a castelos de propriedade de empresários e "celebridades", todos caracterizados pelo mau gosto mais arrogante que se possa imaginar. Arquitetura de shopping center ou de cassino, basicamente. Deprimente, sobretudo pelo contraste gritante com a realidade do Uruguai, um país sem ostentação.

A praia não é nada de excepcional. Apenas uma praia extensa, tão bonita quanto a média das praias do litoral de São Paulo, por exemplo. Os bares da orla são obscenamente caros. Pagamos por uma cerveja comum o triplo do preço que é cobrado em Montevidéu, o que é um exagero até para balneários metidos a besta.

O que salvou nosso passeio? Como não podia deixar de ser, um museu. A Casa Pueblo, em Punta Ballena, residência construída pelo artista Carlos Paéz Vilaró, hoje transformada em museu, é encantadora tanto pela arquitetura peculiar quanto pelo acervo do artista e pela paisagem. Valeu.



E Punta Del Este, vai melhorar? Só se fechar.