Istambul parece ser um destino na moda entre os brasileiros. Somos tantos por lá que os restaurantes já estão planejando trocar o espanhol dos cardápios pelo português, contou-nos um garçom bastante falante, como todos os garçons da velha Constantinopla. Na verdade, eles são tão falantes que às vezes nem deixam a gente ver os cardápios direito, desistimos de vários restaurantes pelo excesso de pentelhação. Quem não aguenta comerciantes pentelhos deve pensar duas vezes antes de ir para Istambul.
Em Istambul ocorreu uma pequena cisão entre o casal de chatos: metade de nós amou de todo o coração, a outra metade achou legal, com restrições.
A cidade é dividida em três porções: duas delas europeias, separadas pelo rio Haliç e a outra asiática, separada da Europa pelo Estreito de Bósforo. Uma das porções europeias é conhecida como "Chifre do Ouro" pelo seu formato e por abrigar a parte mais antiga da cidade e a grande maioria das atrações turísticas.
Escolhemos um hotelzinho no centro velho, bem perto da Mesquita Azul e dos outros pontos turísticos badalados. Difícil foi chegar ao hotel. O taxista era um velhinho meio perdido que não sabia o caminho, não falava picas de inglês e parecia não enxergar muito bem. Depois de rodar pelas vielas e passar em frente ao hotel, mandamos ele parar numa esquina que parecia perto e fomos à pé procurar o local, arrastando as malas. Pelo menos "stop here" ele conseguiu entender. Talvez fosse golpe de taxista, afinal.
Metade de nós não gostou da vizinhança do hotel, uma zona comercial cheia de barbearias. Mas é só andar um pouquinho e já se chega à parte interessante da cidade, o Sultanahmet, e a impressão ruim passa logo.
A primeira coisa que nos chamou a atenção foi a assombrosa quantidade de gente nas ruas e praças da cidade. O mero ato de andar em alguns pontos chegava a apresentar dificuldades, lembrando a nossa 25 de março, só que cheia de mulheres com véus e burcas, além de homens de braços dados. Não sabemos se a cidade é sempre assim, ou se o ramadan tinha alguma coisa a ver com isso.
No ramadan os muçulmanos jejuam durante todo o dia. Só se pode comer antes do nascer do sol e depois que ele vai embora. Isso talvez explique as praças completamente lotadas de famílias no fim da tarde, com muita, muita comida em cestas e toalhas de pic-nic. E não pensem que eram só lanchinhos, estamos falando de gigantescas e apetitosas refeições, panelas, fogareiros etc. Nossa hipótese é que o pessoal fica só esperando o último rainho de sol se retirar para atacar o rango imediatamente. Vimos algumas pessoas comendo. O jejum não é obrigatório para todo mundo, crianças, velhinhos e pessoas doentes são liberadas.
Istambul tem muitos gatos e cachorros nas ruas, e muita gente dando de comer aos bichinhos. Por toda a cidade é comum encontrar, em frente às lojas e casas, recipientes com água para eles. Não sabemos se é um comportamento ligado à religião deles ou simplesmente um sinal de civilização, mas, de qualquer forma, a metade de nós que não morreu de amores pela cidade gostou desse aspecto.
A Mesquita Azul
Para entrar, além de encarar a fila, o indivíduo precisa estar com os ombros e os joelhos cobertos. Cabeças também, no caso das mulheres. E não adianta muito ser homem, se estiver de short vai ter que amarrar um pano na cintura. Metade de nós reclamou, resmungou muito e quase desistiu por causa do calor, mas acabou amarrando um lenço na cintura e outro na cabeça e entrando. Por sorte, os lenços são o artigo mais fácil de comprar na cidade, lindíssimos e bem baratos. Se não for fã de lenços, tudo bem. Use as túnicas distribuídas na entrada da mesquita e fique ainda mais ridículo. Vimos muitos turistas desrespeitando a regra sem serem incomodados, mas achamos feio. Quem não quer obedecer aos preceitos da religião alheia, não entre no templo deles, oras.
O lugar é bonito, e o turista só pode ficar numa área restrita, os locais de culto são apenas para os muçulmanos. Mas a pior parte é que é preciso tirar os sapatos para entrar. Imaginem um local meio abafado, com centenas de pessoas descalças pisando no carpete. Sim, a triste realidade é que você anda sobre um tapete ligeiramente melado e cheirando a chulé. E embrulhada em lenços, se for menina.
Santa Sofia (Hagia Sophia)
Já foi igreja, já foi mesquita, hoje é um museu. Não precisa tirar nem cobrir nada para entrar e a abóbada é algo realmente impressionante. Não leva muito tempo para ver, dá para visitar a Mesquita Azul e Santa Sofia na mesma tarde.
O Grande Bazar
Um enorme, gigantesco e épico mercado com os mais bonitos, apetitosos e exóticos (para o nosso olhar) produtos locais. Um beleza para olhar, mas nem tanto para comprar, se você não for adepto do esporte nacional dos comerciantes turcos, a negociação e a pechincha.
Não há etiquetas de preço. O otário (quer dizer, o cliente) pergunta e recebe como resposta uma soma estratosférica. Aí começa uma árdua negociação, geralmente pontuada por gracinhas e piadas se você for brasileiro, e afagos se você for mulher. Sim, os turcos tem mãos cheias de dedos sempre prontas a alisar uma pele feminina exposta. Bem, mais ou menos uma hora depois você sai da loja pagando cinco vezes menos do valor inicial, se achando muito esperto e, se for mulher, também muito linda.
O jogo tem umas regras engraçadas: se você disser que o produto está caro, o vendedor pede para você fazer uma oferta e se você não souber fazer uma contraproposta, o comerciante se ofende e vira as costas. Sair da loja sem comprar nada pode ser muito difícil porque eles correm atrás, puxam o freguês de volta, fazem o diabo. Vimos um dono de loja gritar com uma pobre balconista oriental que nos deixou escapar. No início é divertido, mas depois de algumas lojas (duas visitas ao Bazar) um de nós já estava querendo estrangular os vendedores e o outro estava viciado no jogo da pechincha. Um perigo.
Com tudo isso e muita paciência, dá para comprar coisas bonitas pagando um preço razoável. Bijuterias de prata, lenços e objetos de decoração estão entre as opções mais interessantes. E os melhores turkish delight, geleia típica de vários sabores e recheios, estão lá. Mais caros do que em outros locais, mas vale a pena.
As lojas de câmbio do Grande Bazar têm as melhores cotações que encontramos. Na época (julho de 2014), o valor da lira turca estava bem próximo ao real, o que facilitava um pouco a vida do turista brasileiro.
As lojas de câmbio do Grande Bazar têm as melhores cotações que encontramos. Na época (julho de 2014), o valor da lira turca estava bem próximo ao real, o que facilitava um pouco a vida do turista brasileiro.
Os Museus
Visitamos três excelentes museus: o Museu Arqueológico, o Museu da História da Ciência e da Tecnologia do Islã e o Museu do Mosaico. Os dois primeiros são grandes e requerem algumas horas de visitação. O Museu do Mosaico é pequeno, mas muito interessante: um palácio bizantino com mosaicos no próprio local onde foram encontrados.
Museu da História da Ciência e da Tecnologia do Islã |
Museu Arqueológico |
Se tivéssemos que escolher apenas um museu para visitar em Istambul, seria o Museu Arqueológico, com seu impressionante acervo de esculturas greco-romanas, arte mesopotâmica, egípcia, otomana etc. Mas é uma questão de gosto.
Topkapi
O Topkapi foi construído pelo sultão Mehmed, o Conquistador, no século 15. É um palácio sofisticado, suntuoso e colorido. Requer uma tarde inteira de visita e muitas, muitas fotos.
Cisterna da Basílica
A Cisterna da Basílica era o reservatório de água da cidade no Império Bizantino e rende hoje um passeio úmido e fresco, mas um tanto sombrio. É bonito, mas a falta de luminosidade torna muito difícil a vida de quem gosta de fotografar. Outro inconveniente é o piso escorregadio das passarelas, que dificulta a vida de quem gosta de andar. O principal divertimento, além de tomar cuidado para não despencar na água, é procurar as cabeças da Medusa. Uma hora de visita é suficiente, mas os claustrofóbicos devem se contentar com menos.
Bazar de especiarias
Ou Bazar egípcio. É um bom programa para quem gosta de cozinhar ou de comer, com sua quantidade impressionante de temperos, doces, frutas secas e chás, para citar apenas os artigos mais notáveis. Os produtos têm etiquetas com os preços, ou seja, lá não tem o sistema da barganha maluca. Mesmo assim, dá para negociar um descontinho.
Passeio de barco pelo Bósforo
É assim: você pega um barco cheio de gente e vai passeando pelo rio, vendo os palácios e outras construções nas margens - um passeio agradável, mas nada excepcional. Metade de nós adorou, a outra metade achou um tédio, mas se você ficar meio sem programa em Istambul, vá em frente. E para os que não visitarem a parte asiática da cidade dá para ter o gostinho de dizer que chegou pertinho.
É melhor evitar o pessoal que vende o passeio em volta dos pontos turísticos no centro e ir até o porto. Sai bem mais barato.
Os derviches ou dervixes ou dervishes rodopiantes
Não importa muito a grafia, a dança cerimonial sufi é algo que não se pode perder estando em Istambul. Nós bobeamos e não fizemos a reserva do espetáculo oficial mais conhecido, que acontece num teatro, com muitos bailarinos. Se quiserem ver os rapazes rodopiando nessa apresentação, reservem com dois dias de antecedência.
Ficamos com uma versão reduzida e mais barata, num restaurante em Sultanahmet, mas não temos queixas. Vimos o espetáculo ao ar livre, com uma bela lua cheia no céu e a Santa Sofia como pano de fundo. O fato de ser um restaurante não atrapalha em nada, porque eles interrompem o serviço durante o espetáculo, que é algo muito delicado e introspectivo, de uma beleza estranha. Metade de nós queria trazer um turquinho giratório para casa, a outra metade não achou a menor graça nessa história.
A torre de Gálata
É uma torre. Alta, como todas as torres, localizada na parte moderna da cidade, lado europeu. Dentro dela havia uma funcionária estressada, sem muita vontade de dar informações. Só para quem gosta muito de torres.
É uma torre. Alta, como todas as torres, localizada na parte moderna da cidade, lado europeu. Dentro dela havia uma funcionária estressada, sem muita vontade de dar informações. Só para quem gosta muito de torres.
A comida
Não tão barata como esperávamos, mas saborosa. Todos os restaurantes têm pratos vegetarianos bastante criativos e bem temperados, mas os carnívoros precisam estar cientes de que vão comer muito carneiro e muito frango. Carne bovina não é muito comum por lá, e é mais cara.
Testi kebap, cozido feito num pote de cerâmica |
O lado ruim é o assédio sem trégua dos garçons que não deixam a gente ver direito os cardápios colocados na entrada.E cuidado ao fugir dos restaurantes turísticos, acabamos comendo numa simpática pizzaria popular um pouco mais barata, mas que não servia cerveja. Não no ramadan, pelo menos.
O capítulo dos doces é sensacional. Além de bonitos e coloridos, o sabor é ótimo. Comprem o turkish delight a granel, cortado na hora e vendido por peso. Os de caixinha são mais baratos, mas não são tão bons.
Nas ruas eles vendem uma espécie de caramelo colorido com sabor de frutas. Bala mole, na definição da nossa sobrinha, que provou a coisa.
Quem gosta de sorvete precisa provar o incrível sorvete otomano, que tem uma consistência diferente do nosso. É mais espesso, ligeiramente gelatinoso e vendido nas ruas por sorveteiros com trajes típicos, que fazem performances e gracinhas para a freguesia. Tenham paciência com as gracinhas, o sorvete vale a pena.
Mais fotos de Istambul: https://www.flickr.com/photos/jo_ma/sets/72157648848851225/
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